O Significado da Pintura Abstrata

 


Resumo

 

Mauricio Puls

 

 

Qual é o significado de um quadro abstrato? Como interpretar uma obra que parece não guardar nenhum vínculo com a realidade? Este livro procura elucidar essa questão partindo do pressuposto de que a pintura é uma linguagem artística, que espelha o homem e seu mundo. Assim como as expressões verbais, os quadros constituem sentenças dotadas de sujeito e predicado. Mas, diversamente das palavras, os signos pictóricos não se desdobram em uma seqüência temporal, mas em uma ordem espacial: eles ocupam lugares no plano do quadro _a figura e o fundo. Na imagem pictórica, a figura é o sujeito da sentença, enquanto o fundo é o predicado. Essa distinção constitui a chave para a compreensão da gramática da imagem. A pintura é uma linguagem analógica, na qual a relação entre a figura e o fundo espelha a relação entre o homem e seu mundo. As telas não falam sobre a realidade, mas a exibem diante de nós: a pintura não é uma linguagem representativa, mas apresentativa. O que distingue a pintura abstrata dos demais gêneros é a elipse do tema do quadro, a ocultação do sujeito pictórico. Essa elipse não significa, porém, que a imagem tenha deixado de expressar a realidade. Não existe uma descontinuidade absoluta entre o abstracionismo e os estilos figurativos. A diferença entre eles reside no fato de que o primeiro designa o seu objeto de modo indireto, enquanto a pintura figurativa apresenta o real de modo direto. Na arte abstrata, a figura e o fundo constituem metáforas do homem e do mundo. A metáfora é a estrutura semântica desse gênero: ela revela aquilo que a elipse esconde. A pintura abstrata constitui uma mimese do real, mas uma mimese que rejeita a realidade, um espelho que nega o mundo. Mas por quê o pintor rejeita a realidade? Essa ruptura estética entre o homem e o mundo se fundamenta na dissociação material entre eles. O homem não reproduz a realidade no quadro porque ele foi privado da realidade. Ele não suporta a visão do objeto porque ele foi despojado desse objeto. Com efeito, o que define o capitalismo é a cisão entre o trabalhador e o objeto trabalhado, entre o produtor e o objeto produzido. Tal ruptura constitui a alienação: a coisa tornou-se algo externo ao homem, e por isso perdeu seu significado para ele. Expropriado do objeto, o homem converteu-se em numa subjetividade vazia: obrigado a vender sua força de trabalho para sobreviver, o produtor foi levado a exercer um trabalho desprovido de sentido. Uma vez rompida a unidade entre o o produtor e o produto, tanto o sujeito como o objeto foram esvaziados, perderam a sua razão de ser. A alienação instaurada pelo capital constitui o fundamento social da pintura abstrata. Este gênero constitui um reflexo da alienação do homem sob o capital: a realidade vazia é o tema da pintura abstrata. O seu significado consiste em espelhar um homem oco num mundo vazio. A pintura deixa de ser figurativa e se torna abstrata porque o artista rejeita esse mundo alienado, no qual os homens foram reduzidos a coisas. A pintura abstrata não parece mimética porque ela se distancia radicalmente da realidade, porque ela nega a realidade. Por quê a linguagem se afasta de sua referência? Convém aqui observar um fato elementar: a linguagem é, antes de mais nada, uma parte da realidade, um momento da totalidade social. Portanto, se a pintura se afasta da realidade, é porque a realidade está se afastando de si mesma. Mas uma realidade que se distancia de si mesma é uma realidade em dissolução, uma totalidade em desagregação. A pintura abstrata não espelha um objeto qualquer, mas um objeto que se dissolve. Ela emerge quando o modo de produção capitalista começa a declinar, durante a transição do capitalismo concorrencial para o monopolista, no início do século XX. O abstracionismo constitui um retrato do capital em estado puro, mas precisamente por isso ele só aparece quando essa formação social inicia sua decadência. Daí o silêncio encerrado na arte abstrata: ela é o espelho de uma estrutura social que nada mais tem a dizer. Além de explicitar os pressupostos históricos reguladores da produção e do consumo da pintura abstrata, este livro pretende lançar as bases de uma gramática geral da linguagem pictórica, capaz de fornecer critérios para a análise de quadros que, à primeira vista, parecem completamente destituídos de sentido.

 
 
 

 

 

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